OS OUVINTES
“Você ouvinte, é a nossa meta, pensando em você é
que procuramos fazer o melhor.”
Waldir Amaral

Eu, bem pequeno, aos 8 anos de idade nem me imaginava trabalhando em uma rádio, mas adorava ouvir as transmissões esportivas da Rádio Globo do Rio de Janeiro (em AM 1280), cujos comunicadores esportivos com maestria projetavam as imagens de uma partida de futebol na memória coletiva.
Era emoção pura. As frases de
efeito mexiam com a gente.
Meu
pai, desde os meus 6 anos de idade, me levava a todos os jogos de futebol nos
domingos, independente de qual equipe estivesse jogando no Maracanã e conosco o
rádio de pilha ia à tira colo.
Futebol aos domingos era sagrado. E nas
transmissões esportivas víamos o jogo com o ouvido na latinha (apelido dado aos
pequenos aparelhos de rádio).
Assim,
era comum ouvir as geniais frases criadas pelos locutores esportivos, com o
olho no campo de futebol e ouvido no rádio de pilha, ao mesmo tempo.
Era como
se fossemos contemplar a emoção e a criatividade de quem narrava uma partida de
futebol e conferir se era aquilo que se via pelo rádio.
Os jogos de futebol
pelo rádio eram muito divertidos e prazerosos. Pouco tempo depois outro mote
veio a surgir: “Veja o jogo ouvindo a Rádio Globo”.
O
ouvinte era a meta das emissoras de rádio, o importante era comunicar-se sem
ruídos, de forma objetiva e com muita emoção nas tardes de domingo.
E em se tratando
de emoção, me lembro de que no dia do milésimo gol de Pelé, 19 de novembro de
1969, não pude ir ao estádio para assistir Vasco e Santos, pois caiu numa
quarta-feira, e jogo de futebol no meio da semana era uma aposta daquela época,
pois acabava tarde, e papai trabalhava, bem cedo, na manhã seguinte, o que
inviabilizava mais um dia de emoção no Maracanã.
Não
fomos ao jogo, mas, às 23 h 11 min com o mesmo radinho de pilha, que levávamos
ao “Maraca”, ouvi a narração do milésimo gol de Pelé em uma transmissão emocionante
de Waldir Amaral. E consequentemente, me senti no estádio, vendo, modestamente,
o milésimo gol do rei do futebol em tempo real! Coisas da mágica do Rádio.
Quem
disse que tempo real é coisa de World Wide Web?
Outro
fato semelhante? Sim. Ocorreu com menos emoção, muito tempo depois pela TV, muitos
anos depois, quando Romário fez seu milésimo gol, em 20 de maio de 2007. Mas,
sem a maestria do Waldir Amaral na locução. Que me desculpem os colegas da
narração...
Waldir era “one in a
million”, como dizem os norte-americanos, na arte de narrar os gols de
quaisquer times. Sempre criava frases como: “tem peixe na rede do time A ou B” –
um dos motes que marcou as narrativas esportivas dos anos 1970. A meta era, e é, falar a língua do povo, já que o objetivo de uma emissora de rádio é sempre o seu ouvinte, mesmo que no imaginário.
Com
o passar dos anos em minha adolescência, eu percebia que as emissoras de rádio
buscavam entender que eram seus amantes, e com isso aumentava-me cada vez mais meu
interesse em descobrir de onde vinha esta magia, desta relação íntima entre uma
rádio e o seu ouvinte, descrito depois em sala de aula como o receptor das mensagens pelos teóricos da comunicação
social (mais tarde quando fui estudar propaganda e publicidade na faculdade) e
simultaneamente ingressar no Sistema Globo de Rádio (como estagiário aos 19
anos).
Lá,
dez anos depois da narração do milésimo gol, tive a oportunidade, ou
melhor: a benção de estar ao lado das grandes estrelas do rádio como Waldir
Amaral, Jorge Curi, João Saldanha; Mário Viana; Edmo Zarif, Antônio Porto,
Gilson Ricardo, Loureiro Neto; e outras feras como José Carlos Araújo,
Washington Rodrigues, Luiz Penido... Grandes mestres que eu encontrava nos
corredores da sede do SGR, que abrigava cinco emissoras (Globo, Eldorado e
Mundial em AM e Eldo-pop e Globo em FM). Era interessante, vislumbrar as vozes do meu rádio de pilha
aos domingos todos os dias na rotina de trabalho.
Tive o privilégio de beber de uma
fonte inspiradora em atender uma audiência que se formava por um número enorme de
ouvintes que se juntavam as programações esportivas, musicais e jornalísticas
das emissoras do S.G.R. As emissoras tinham como meta os interessados em música, esporte e notícia.
Por ironia do destino, decidi trabalhar em uma emissora musical, em 1980, já que como
todo jovem, gostava muito de shows, eventos e música do estilo hit-parade americano. E Não procurei
ingressar na área de esportes, mesmo convivendo com toda essa turma, que era
muito bacana. O clima era sempre de festa entre eles. Não era a minha vocação. Mas, o legado era simples através da resposta do enigma: Quem é o ouvinte?
Hoje,
muitos radialistas perdem o foco na simples resposta a esta indagação. Escuto emissoras há mais de 30 anos, e observo que alguns diretores de programação de rádio precisam refletir antes
de responder a esta provocação. Fica aí o recado. Mas a lógica é simples, quando se prioritariamente observamos o silo que é uma emissora de rádio através de uma grade de programação. Leia o conceito simples de Warren (2005).
"As programações das emissoras são desenhadas para as
pessoas, e sem elas é impossível ter sucesso, receita, empregos, pesquisas", ou
seja: nada se consegue sem focar nas pessoas, ou seja, os ouvintes e seu comportamento, segundo Warren (2005) em seu livro Radio – The Book, pela editora
Elsevier de Londres.
Os
ouvintes de rádio são a fonte.
E independentemente, de uma rádio estar em
frequencia modulada (FM) ou amplitude modulada (AM) ou streaming (pela internet). O segredo sempre será descobrir quem é o
ouvinte.
Se você é radialista ou pretende
ingressar nesta carreira, entenda a mensagem clara e objetiva do Waldir Amaral: “Você ouvinte, é a nossa meta, pensando em
você é que procuramos fazer o melhor”.