O dia em que a Terra pirou
Por Eduardo Meditsch
Era uma noite de domingo, 30 de outubro de 1938, véspera do
tradicional Dia das Bruxas nos Estados Unidos. Na noite de Halloween, o Mercury
Theater on the Air da Rede CBS, transmitiu a invasão da terra por um exército
marciano hostil e indestrutível, que aterrissou em New Jersey e avançou em
minutos por todo o país. Era uma adaptação livre do romance A Guerra dos
Mundos, do escritor inglês H.G. Wells, publicado no final do século XIX.
Às oito da noite, hora habitual do programa, a encenação
começou. Às nove, o estrago estava feito: o diretor e seus atores escapavam da
CBS por uma porta dos fundos. A sede da emissora era invadida por uma orda de
policiais atônitos e jornalistas surpresos. O programa de rádio havia
transformado os Estados Unidos num pandemônio.
Calcula-se que seis milhões de pessoas ouviram a
transmissão, e uma em cada cinco não notou que se tratava de uma peça de
teatro: os ouvintes acreditaram que o mundo estava de fato sendo invadido pelos
marcianos. As redes telefônicas entraram em colapso, o pânico levou milhares de pessoas às ruas, e
as estradas ficaram entupidas: ocorreram acidentes em série, prejuízos
incalculáveis e até tentativas de suicídio. “Em qualquer outro país eu seria
preso”, afirmou mais tarde Welles: “mas nos Estados Unidos, ganhei um contrato
em Hollywood”.
A arte de enganar o ouvinte
Orson Welles tinha um certo fascínio pelos mágicos, e o
truque que utilizou no programa foi fazer o público esquecer que estava ouvindo
radioteatro. A apresentação da estória descreve uma situação do mundo real, o
roteiro segue com um boletim meteorológico e logo os ouvintes são distraídos
com um espetáculo de música ao vivo. Então, começam os boletins de notícias,
cada vez mais frequentes e alarmantes,
sobre a chegada das naves, o aparecimento dos monstros extraterrestres, sua
agressividade e poder de fogo. Em poucos minutos, já são milhares os seres humanos mortos por
raios de calor e gases venenosos, enquanto as autoridades do governo e as
forças armadas americanas se confessam impotentes para conter o ataque.
Com os recursos técnicos da época, o barulho da nave
alienígena foi representado pelo desenroscar da tampa de um vidro de café
solúvel, ecoando na privada do banheiro da emissora. Mas juntado ao relato
dramático de um repórter e ao testemunho convincente do cientista Richard
Pearson, do Observatório de Princeton – interpretado pelo próprio Welles – o
ruído soa fantástico e aterrador. O público só teria chance de saber que se
trata de uma brincadeira depois que as máquinas extraterrestres destroem a
própria rádio. Aí, a estória ganha um final feliz, com os marcianos sendo
carcomidos pelas bactérias terráqueas, quando todo a defesa humana já estava
derrotada. Mas pouca gente prestou atenção até este ponto.
A ameaça da guerra real
O pânico provocado pela radiofonização de A Guerra dos
Mundos rendeu vários estudos nos Estados Unidos. A tese mais famosa, do
psicólogo Hadley Cantril, constatou que o alvoroço da população não foi
provocado apenas pelo programa, mas já estava latente após uma década de crise
econômica e com a ameaça de mais uma guerra na Europa: Hitler já havia invadido
a Checoslováquia e continuava avançando.
O estudo de Cantril também demonstrou que o programa teve
diferentes efeitos nos diversos meios sociais. Em geral, o engano foi maior
entre as pessoas menos escolarizadas e entre as mais crédulas, como os
religiosos fundamentalistas. Muitos tentaram se informar em outras fontes sobre
o que estavam ouvindo no rádio, mas o colapso das comunicações e a histeria
coletiva impediram que estas tentativas resultassem.
A experiência de A Guerra dos Mundos já foi repetida em
diversos países, com resultados semelhantes ou até mais graves. No Chile, em
1944, o susto provocou pelo menos um ataque cardíaco fatal. No Equador, em
1949, uma multidão enfurecida – por ter sido enganada – incendiou a rádio que
transmitiu o programa, matando seis funcionários.
No Brasil, houve várias experiências inspiradas no exemplo
de Orson Welles, a mais sensacional delas realizada na Rádio Difusora de São
Luiz, no Maranhão, em 1971. Em plena ditadura,
a audição do programa mobilizou a Força Aérea e o Exército, e a emissora
acabou invadida pelas tropas militares. A legislação brasileira de radiodifusão
– como a de quase todo o mundo na atualidade – pune com rigor este tipo de uso
do meio, podendo suspender a emissora e até cassar sua concessão. Para a sorte
da CBS e de Orson Welles, ainda não havia este tipo de legislação nos Estados
Unidos de 1938, o que os livrou de milhares de processos e pedidos de
indenização.
(Diário Catarinense | Cultura | Sábado, 26 de outubro de
2013)