O QUE É... DECISÃO
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o mundo
corporativo, há algo vagamente conhecido como “processo decisório”, que são
aqueles insondáveis critérios adotados pela alta direção da empresa para chegar
a decisões que o funcionário não consegue entender.
Tudo começa com a própria
origem da palavra “decisão”, que se formou a partir do verbo latino caedere
(cortar).
Dependendo do prefixo que se
utiliza, a palavra assume um significado diferente: “incisão” é cortar para
dentro, “rescisão” é cortar de novo, “concisão” é o que já foi cortado, e assim
por diante. E discaedere, de onde veio “decisão”, significa “cortar fora”.
Decidir é, portanto, extirpar de uma situação tudo o que está atrapalhando e
ficar só com o que interessa. E, por falar em cortar, todo mundo já deve ter ouvido
a célebre história do não menos célebre rei Salomão, mas permitam-me
recontá-la, transportando os acontecimentos para uma empresa moderna.
Então,
está um dia o rei Salomão em seu palácio, quando duas mulheres são introduzidas
na sala do trono. Aos berros e puxões de cabelo, as duas disputam a maternidade
de uma criança recém-nascida.
Ambas possuem argumentos sólidos: testemunhos da
gravidez recente, depoimentos das parteiras, certidões de nascimento. Mas,
obviamente, uma das duas está mentindo: havia perdido o seu bebê e, para
compensar a dor, surrupiara o filho da outra.
Como os testes de DNA só seriam
inventados dali a milênios, nenhuma das autoridades imperiais consultadas pelas
litigantes havia conseguido dar uma solução satisfatória ao impasse. Então
Salomão, em sua sabedoria, chama um guarda, manda-o cortar a criança ao meio e
dar metade para cada uma das reclamantes.
Diante da catástrofe iminente, a
verdadeira mãe suplica: “Não! Se for assim, ó meu Senhor, dê a criança inteira
e viva à outra!”, enquanto a falsa mãe faz aquela cara de “tudo bem, corta aí”.
Pronto. Salomão manda entregar o bebê à mãe em pânico, e a história se encerra
com essa salomônica demonstração de conhecimento da natureza humana.
Mas isso
aconteceu antigamente. Se fosse hoje, com certeza as duas mulheres optariam
pela primeira alternativa (porque ambas teriam feito um curso de Tomada de
Decisões). Aí é que entram os processos decisórios dos salomões corporativos.
Um gerente salomão perguntaria à mãe putativa A: “Se eu lhe der esse menino, ó
mulher, o que dele esperas no futuro?” E ela diria: “Quero que ele cresça com
liberdade, que aprenda a cantar com os
pássaros e que possa viver 100 anos de felicidade”.
E a mesma pergunta seria
feita à mãe putativa B, que de pronto responderia: “Que o menino cresça forte e
obediente e que possa um dia, por Vossa glória e pela glória de Vosso reino,
morrer no campo de batalha”. Então, sem piscar, o gerente salomão ordenaria que
o bebê fosse entregue à mãe
putativa B. Por quê?
Porque na salomônica lógica das empresas, a decisão
dificilmente favorece o funcionário que tem o argumento mais racional, mais
sensato, mais justo ou mais humano. A balança sempre pende para os putativos
que trazem mais benefício para o sistema.
GEHRINGER, Max. Revista Você S/A, jan.
2002
Nota: (putativa. Adjetivo. Que aparenta ser verdadeiro, legal e certo
(Dicionário- Aurélio B. de Holanda F)