Efeitos da desmassificação
Adaptado por Sérgio Duarte de Jeferson Assumção
Em 2020, o
mundo deverá ter mais de 24 bilhões de dispositivos conectados em rede, como
apontam pesquisas da empresa Machina Research. >http://www.machinaresearch.com<
Com
isso, haverá uma média de três aparelhos conectados por pessoa, incluindo
celulares, eletrodomésticos, tablets e até computadores...]
Eles
poderão ser utilizados heteronomamente. Ou de modo um pouco mais autônomo. Se
de maneira heterônima, continuarão gerando massificação, mesmo que venha a ser
um tipo customizado de massificação.
Os
atuais avanços da era digital podem, se bem aproveitados, gerar um ambiente
menos favorável à homogeneização cultural e à vigência do comportamento do que
Ortega chamou de homem-massa - este produto da técnica da era industrial que se
desenvolveu na virada do século XIX para o século XX.
Agora,
em pleno século XXI, mais uma vez o desenvolvimento técnico vem trazer questões
importantes para se pensar sobre como o ser humano se comporta em relação à
tecnologia que ele mesmo desenvolve.
Diferentemente
do homem-massa delineado por Ortega na década de 30 do século XX, os seres
humanos atuais, do ponto de vista tecnológico, têm abundantes condições de
viver numa multidimensionalidade da cultura.
Há
mais acesso à diversidade cultural e às condições de se fazer as recombinações
de elementos, processos e visões de mundo, muito mais do que em qualquer outro
momento da humanidade.
Portanto,
em se tratando de cultura, essa palavra cujo sentido em muito tem a ver com
modos de fazer, de técnicas e interação de indivíduos entre si e destes com a
natureza, uma cultura ligada ao ambiente digital não pode ser desconsiderada
numa leitura mais plena de nosso tempo.
A
cultura digital e seus rebatimentos estéticos (diversidade cultural e
recombinações), éticos (ética do compartilhamento) e políticos (ação cidadã em
rede, descentralizada e com menos mediação de estruturas verticais) são, em
termos mais amplos, um importante tema.
Agora,
com as novas condições, não há também mais desculpas: o homem-massa, paciente e
agente de sua condição de massa, invertebrado habitante do ambiente
técnico-consumista do século XX, dominado pelo mercado, por partidos,
sindicatos e estados ortopédicos, de cima para baixo, não tem mais a quem jogar
a responsabilidade. Ele pode recuperar sua autenticidade, como em nenhum outro
momento da Humanidade.
A
técnica do século XIX engendrava o homem-massa, dizia Ortega. A técnica do
século XXI pode engendrar o pós-homem-massa. Se para os frankfurtianos e para a
teoria crítica, o comportamento heterônomo era inculcado pela indústria
cultural nas cabeças das pessoas, hoje este elemento se fragmenta. Desaparecem
dia a dia os mediadores e as indústrias de fabricação de suportes materiais da
arte e, de todo lado, movimentos de indivíduos em rede trazem as visões da
periferia para o centro do debate sobre cultura.
Com
tudo isso, é possível dizer que estão dadas as condições técnicas para a
superação tanto do homem massificado quanto do homem atomizado, fechado em si,
solipsista, consumista individualizado e não participante de sua circunstância?
Fonte:
texto de Jéferson Assumção, do livro
"Homem-massa: a filosofia de Ortega y Gasset
e sua crítica à cultura massificada".