O Meio Não é a Mensagem?
Segundo o professor
Manuel Castells, o meio não é
a mensagem, em oposição ao que aprendemos com o mestre canadense Marshall
McLuhan, em seus estudos nos anos 1960.
McLuhan buscava
entender os efeitos que as tecnologias desenvolvidas pelo homem tinham sobre os
aspectos sociais e psicológicos.
“O meio é a
mensagem” tornou-se a frase mais famosa de McLuhan, em um conceito que abordava
o meio (de comunicação) que deve ser
analisado como “um conjunto de expressões que uma linguagem midiática pode
decodificar ao ser apropriada por um usuário”. O que vem mudando neste novo
século.
Leia a entrevista
na íntegra ao jornal o Globo.
Manuel Castells: “O povo não vai se cansar de protestar”.
Para o sociólogo catalão Manuel Castells, boa parte dos
políticos é de “burocratas preguiçosos”. Ele é um
dos pensadores mais influentes do mundo, com suas
análises sobre os efeitos da
tecnologia na economia, na cultura e,
principalmente, no ativismo.
Conhecido por sua língua afiada, o espanhol falou ao GLOBO
por e-mail sobre os protestos.
Os protestos no Brasil não tinham líderes. Isso é uma
qualidade ou um defeito?
Claro que é uma qualidade. Não há cabeças para serem
cortadas. Assim, as redes se espalham e alcançam novos espaços na internet e
nas ruas. Não se trata, apenas, de redes na internet, mas redes presenciais.
Como conseguir interlocução com as instituições sem líderes?
Eles apresentam suas demandas no espaço público, e cabe às
instituições estabelecer o diálogo. Uma comissão pode até ser eleita para
encontrar o presidente, mas não líderes.
Como explicar os protestos?
É um movimento contra a corrupção e a arrogância dos
políticos, em defesa da dignidade e dos direitos humanos — aí incluído o
transporte. Os movimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como
meta, mais do que o combate à pobreza.
É um protesto democrático e moral, como a maioria dos outros
recentes.
Por que o senhor disse que os protestos brasileiros são
um “ponto de inflexão”?
É a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos
canais tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania
política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidos
altamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o crescimento
econômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No caso, o tema foi o
transporte.
Eles são contra a ideia do crescimento pelo crescimento, o
mantra do neodesenvolvimentismo da América Latina, seja de direita, seja de
esquerda. Como o Brasil costuma criar tendências, estamos em um ponto de
inflexão não só para ele e o continente. A ideologia do crescimento, como
solução para os problemas sociais, foi desmistificada.
O que costuma mover esses protestos?
O ultraje, causado pela desatenção dos políticos e
burocratas do governo pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem
e pagam seus salários.
O principal é que milhares de cidadãos se sentem
fortalecidos agora.
O senhor acha que eles podem ter sucesso sem uma pauta
bem definida de pedidos?
Acho inacreditável. Além de passarem por uma série de
problemas urbanos, ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que
deveria ser dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços.
Os cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho
para os políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.
Com organização horizontal, esse movimento pode durar?
Vai durar para sempre na internet e na mente da população. E
continuará nas ruas até que exigências sejam satisfeitas, enquanto os políticos
tentarem ignorar o movimento, na esperança que o povo se canse.
Ele não vai se cansar. No máximo, vai mudar a forma de
protestar.
Outra característica dos protestos eram bandeiras à esquerda
e à direita do espectro político.
Como isso é possível?
O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A
direita, a esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os
piadistas, os revoltados — todo mundo.
Anormal seriam legiões em ordem, organizadas por uma única
bandeira e lideradas por burocratas partidários. É o caos criativo, não a ordem
preestabelecida.
Há uma crise da democracia representativa?
Claro que há. A maior parte dos cidadãos do mundo não se
sente representada por seu governo e parlamento.
Partidos são universalmente desprezados pela maioria das
pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que seus cargos lhes
pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte, ainda que não a
maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas ilegalmente no
mundo inteiro.
Democracia não é só votar de quatro em quatro anos nas bases
de uma lei eleitoral trapaceira. As eleições viraram um mercado político, e o
espaço público só é usado para debate nelas. O desejo de participação não é
bem-vindo, e as redes sociais são vistas com desconfiança pelo establishment político.
O senhor vê algo em comum entre os protestos no Brasil e
na Turquia?
Sim, a deterioração da qualidade de vida urbana sob o
crescimento econômico irrestrito, que não dá atenção à vida dos cidadãos.
Especuladores imobiliários e burocratas, normalmente corruptos, são os inimigos
nos dois casos.
Protestos convocados pela internet nunca tinham reunido
tantas pessoas no Brasil. Qual a diferença entre a convocação que funciona e a
que não tem sucesso?
O meio não é a
mensagem.
Tudo depende do impacto que uma mensagem tem na consciência
de muitas pessoas. As mídias sociais só permitem a distribuição viral de
qualquer mensagem e o acompanhamento da ação coletiva.